Lincoln Secco: "A imagem do PT continuará a se desgastar"


ENTREVISTA - 19/10/2012 07h00
TAMANHO DO TEXTO

Lincoln Secco: "A imagem do PT continuará a se desgastar"

O professor da USP, autor de "A história do PT", afirma que, apesar de o mensalão influenciar pouco o eleitorado, altera a visão da sociedade sobre o partido

ALBERTO BOMBIG
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O professor da USP Lincoln Secco (Foto: Marcelo Min/Fotogarrafa/ÉPOCA)
O professor de história contemporânea da USP Lincoln Secco publicou no ano passado a primeira obra do Brasil a tentar reconstituir a trajetória do PT. Aborda o partido desde a sua criação, em 1980, até o final da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência (2003-2010). Apesar de seu passado como militante petista, Secco não se furtou a abordar de maneira crua em A história do PT(editora Ateliê Editorial) a crise que explodiu em 2005 com o mensalão. Por isso, recebeu críticas do Partido dos Trabalhadores. Neste momento, em que o julgamento do mensalão se encaminha para o final no Supremo Tribunal Federal, com a condenação de vários dirigentes do PT, Secco afirma que os veredictos devem alterar a visão da sociedade sobre o PT. Segundo ele, o julgamento no Supremo é o “julgamento político da gestão Lula”.
ÉPOCA – No seu livro A história do PT, o senhor aborda de forma clara a crise de 2005 aberta no partido pela denúncia do mensalão. Diz que "os escândalos de 2005 atingiram muito mais o PT do que o governo". Agora, com o processo praticamente concluído no STF, quais adendos o senhor faria a esse capítulo?
Lincoln Secco –
 Eu escrevi recentemente que o mensalão influenciaria muito pouco a decisão do eleitor. Mas a imagem do PT continuará a se desgastar. No livro, eu procurei me distanciar do juízo de valor sobre os fatos e apresentar a disputa política em torno deles. Que houve crime, não há dúvida. Não é preciso que o STF nos diga. O que exige reflexão é a condenação por compra de votos, que na percepção do PT é diferente de caixa dois. Ela não muda o destino político dos réus porque eles já estavam fora da vida pública mesmo. Mas altera a visão que temos do partido.
ÉPOCA – Como altera?
Secco –
 O PT já havia perdido o discurso ético, mas a absolvição lhe teria devolvido certa força. Também perde capacidade de dirigir aliados, pois não demonstrou força nem a solidariedade interna que em situações limite unia seus líderes. Quem agora se arrisca pelo partido, em “nome do objetivo maior” nas situações de caixa dois ou qualquer outra que tangencie os limites da lei?
O PT adquiriu um forte senso de sobrevivência eleitoral, mesmo às custas de lançar os seus velhos marujos ao mar "
LINCOLN SECCO
ÉPOCA – Figuras históricas do PT sofreram com as condenações. A tendência é elas saírem de cena ou seus poderes serem diminuídos?
Secco – 
Os condenados já tinham abandonado a cena política para entrar na história. A batalha deles passou a visar ao passado, e a carta de José Dirceu mostra isso. Ele sintomaticamente escreveu uma mensagem intitulada "Ao povo brasileiro”, como aquela outra carta que ele e Lula avalizaram em 2002. Dirceu defende o legado do governo do qual participou como a principal causa de sua condenação. Dirceu e Genoino foram presidentes do maior partido de esquerda da história do Brasil. E eu me pergunto como foi possível um “exército” vencedor indicar os juízes que condenaram os seus “generais”? Seria o PT tão republicano a ponto de aceitar a imparcialidade do STF? Mas então por que agora os seus dirigentes reclamam das sentenças? A imagem que o partido deixa é outra: ele tem uma direção fraca, que foi incapaz de defender as suas maiores lideranças. Ninguém parece querer se mobilizar a seu favor, nem a direção nacional teve até agora coragem de convocar protestos contra o STF. Decerto, a coincidência do julgamento com as eleições deixa o PT no canto do ringue. Mas e depois?
ÉPOCA – Não se trata de aceitar a imparcialidade? Em uma democracia, o Judiciário é um Poder independente que pode, no limite, colocar um presidente na cadeia.
Secco – 
O STF é imparcial à medida que segue a lei. Mas a lei é produto de um consenso social de uma época e admite interpretações. Além disso, a suprema corte é um tribunal político por excelência, já que ao contrário da maioria dos juízes brasileiros (concursados), os do STF são nomeados pelo presidente e ratificados pelo Senado. O PT (por sua origem socialista) não costumava aceitar essa imparcialidade. Um lema do PT inicial era "a luta faz a lei". Eu acredito que o STF tenha perdido uma oportunidade de condenar alguns réus sem seguir um calendário eleitoral e uma teoria nova: a do domínio funcional do fato.
ÉPOCA – Como o senhor prevê o futuro do PT sob Dilma?
Secco – 
O PT adquiriu um forte senso de sobrevivência eleitoral, mesmo às custas de lançar os seus velhos marujos ao mar. Ele continuará a ser uma importante agremiação política porque tem uma presença enraizada em setores mais pobres da sociedade. O tempo da expectativa dos de baixo é diferente da velocidade com que opinião pública julga o PT. Mas como partido que disputa a hegemonia na sociedade, ele sofreu um abalo profundo. Não temos mais a mínima ideia do que Dilma acha do PT e de Lula hoje. Provavelmente, eles se manterão unidos. Mas ela também deu indícios de escassa preocupação com o PT. Não houve nenhuma pressão do governo para evitar que o julgamento coincidisse com as eleições municipais. Ela ainda tem uma imagem “ética”, enquanto o PT, que por anos acalentou o discurso ético para si mesmo, mostrou uma face corrompida em 2005.
ÉPOCA – O senhor acha que a decisão do Supremo pode transformar de alguma forma o legado do ex-presidente Lula ou enfraquecer qualquer projeto de ele voltar em 2014?
Secco –
 Eu não tenho dúvidas de que a ação penal 470 funciona como um julgamento político do PT e de Lula. Mas as pesquisas do Datafolha em São Paulo feitas no auge do julgamento indicam que afetam uma minoria do eleitorado. Claro que a minoria pode decidir uma eleição “apertada”. Por isso, exceto se houver um julgamento deste tipo em 2014 não é isso que impedirá Lula de participar das eleições como candidato ou como apoiador de Dilma.
ÉPOCA – O que o senhor achou da participação do Lula nestas eleições?
Secco –
 Lula passou a intervir muito mais diretamente na escolha dos candidatos. Em Recife, ele teve uma derrota importante, mas Dilma teve outra em Belo Horizonte. O teste efetivo de Lula é São Paulo. Curiosamente o PT acreditou que bastaria lançar um intelectual para conquistar a classe média porque os pobres já eram sua propriedade. PT e PSDB desprezaram Russomanno. Ignoraram a nossa história em que sempre se afirmou o que eu chamo de “direita popular”, que já foi encarnada por Ademar, Jânio e Maluf. Eles só acordaram na reta final. Quando Lula se concentrou na Zona Leste, Haddad recuperou o eleitorado petista.
ÉPOCA – O que o senhor achou do desempenho petista? O PT caminha para os grotões?
Secco –
 Os grotões se inverteram geograficamente. O coronelismo é eletrônico e voltado para as grandes cidades. A direita popular agora tem apoio em rádios e TVs das igrejas evangélicas. Já as pessoas das pequenas cidades não dependem mais do poder local para sobreviver. O governo Lula fez duas coisas que abalaram o coronelismo: o programa Luz Para Todos e a transferência de renda feita diretamente pelo governo federal. Já o aumento do salário mínimo e a queda do índice de Gini (que mede a desigualdade salarial) incomodam a classe média tradicional.
ÉPOCA – O que fez a classe média virar as costas para o PT não foi a crise de 2005?
Secco –
 Não creio que seja a única razão, pois uma parte da classe média já não gostava do PT e se aproximou somente em 2002. Além disso, qualquer grupo estabelecido se incomoda quando outros se aproximam socialmente dele. Foi o caso da Aristocracia na França do século XVIII diante da burguesia. Hoje as pessoas reclamam dos aeroportos lotados por gente de baixa renda, porque pagam mais caro empregadas domésticas, porque pobres inundam as ruas de carros baratos e assim por diante. Não há nada de estranho nisso. Mas ao mesmo tempo elas têm razão de reclamar que os muito ricos não pagam essa conta. E isso porque o PT melhora a vida dos pobres, mas não afeta o grande capital.
O PT puxa um partido ônibus (PMDB), uma legenda morta viva (PDT pós-Brizola) e uma legenda de aluguel de luxo (PSB)"
LINCOLN SECCO
ÉPOCA – O senhor admite, como seu colega de academia André Singer, que o PT não traz grandes novidades ao percurso normal da política brasileira nem é um partido revolucionário?
Secco –
 O PT é um partido que transitou da esperança de que seria contra a ordem para o interior dela. E isso traz duas novidades: a primeira é que ele se tornou em boa medida igual aos demais; a segunda é que, apesar disso, os outros não o aceitam plenamente no jogo, exceto por oportunismo. Veja as alianças: o PT é o partido ideológico da esquerda moderada e o PSDB da direita moderada. O DEM também é ideológico. Mas como disse FHC, eles são a vanguarda do atraso. O PT puxa um partido ônibus (PMDB), uma legenda morta-viva (PDT pós-Brizola) e uma legenda de aluguel de luxo (PSB).
ÉPOCA – Do ponto de vista econômico, como o senhor vê a gestão Dilma em relação às bandeiras históricas do PT?
Secco –
 Nesse quesito, nem as tendências da esquerda do PT podem reclamar de Dilma. Ela se livrou de Palocci, que unia um pensamento liberal a uma prática suspeita, para dizer pouco.
ÉPOCA – Em termos econômicos, Dilma está mais à esquerda que Lula?
Secco –
 O segundo mandato de Lula esteve mais à esquerda que o primeiro, em que ele manteve a política de FHC. E Dilma está mais à esquerda que Lula. Ela baixou a taxa de juros, mantém um contencioso comercial com os Estados Unidos, tem um banco central subordinado ao ministro da Fazenda, criou empresas estatais e apoia grandes conglomerados privados nacionais. São temas clássicos da velha social-democracia.

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