OS LADRÕES DA MADEIRA DO BRASIL

Roubo de madeira: Governo reconhece ameaças, mas denunciante continua sem proteção

Em entrevista a ÉPOCA, representante do governo federal admite a gravidade das denúncias de assassinato e roubo de madeira no Oeste do Pará. Mas afirma que não teve como oferecer proteção local ao denunciante ameaçado de morte porque um órgão estadual não o reconheceu como “defensor dos direitos humanos"

RICARDO MENDONÇA
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Ramaís de Castro Silveira, da Secretaria de Direitos Humanos (Foto: Ministério Público de Goiás)
O secretário executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ramaís de Castro Silveira, reconhece que as denúncias de assassinato, ameaças e roubo de madeira no Oeste do Pará são consistentes. Na semana passada, a jornalista Eliane Brum publicou em sua coluna o drama de dois brasileiros que denunciaram uma quadrilha especializada naextração ilegal de madeira da Amazônia perto dos municípios de Trairão e Itaituba. Um deles, João Chupel Primo, foi assassinado no dia 22 de outubro do ano passado, cerca de 48 horas após fazer a denúncia no Ministério Público Federal. O outro, Junior José Guerra, fugiu do Estado com medo de morrer. Depois de pedir e não receber proteção das autoridades para continuar no local, ele resolveu se esconder por conta própria. Está há cerca de três meses nessa condição.
Nesta entrevista, Ramaís admite a legitimidade do pedido de socorro feito por Junior. Mas explica que ele não recebeu a proteção que pleiteava por não ter sido reconhecido como um legítimo “defensor dos direitos humanos” numa avaliação feita pela Defensoria Pública do Pará, órgão vinculado ao governo do Estado. Essa avaliação poderia ser revista pela Secretaria de Direitos Humanos, segundo Ramaís, se Junior resolvesse recorrer da decisão da Defensoria.
Na denúncia entregue às autoridades, Chupel e Junior falam de um esquema ilegal de extração que chega a transportar até 3.500 metros cúbicos de madeira num único dia. É o suficiente para carregar 140 caminhões com toras. A maior parte seria de ipê, o tipo mais valorizado atualmente pelo crime organizado. Na região, fala-se em pelo menos 15 assassinatos nos últimos dois anos por conflitos gerados pela posse da terra e o controle do roubo da madeira.
ÉPOCA - Qual é a avaliação do governo a respeito das denúncias de roubo de madeira da Amazônia em Trairão e Itaituba, no Pará, feitas por João Chupel Primo e Junior José Guerra? As denúncias são consistentes?
Ramaís de Castro Silveira –
 As denúncias são consistentes. Isso é possível dizer sem eu estar ultrapassando as minhas competências. O que eu não posso é informar em que estágio está a investigação da Polícia Federal sobre as denúncias. Existe uma investigação, seguramente ela vai chegar nos autores principais que estão fazendo a extração da madeira, mas eu não sei dizer. Não tenho falado com o diretor-geral da PF, o Leandro Coimbra, para saber. Falei há muito tempo atrás com ele, em novembro, depois que aconteceu o assassinato do João Chupel.
ÉPOCA  – Como o governo tem acompanhado o caso? O Junior Guerra está escondido por conta própria há mais de três meses sem proteção do Estado. Qual a dificuldade para dar proteção para ele?
Ramaís –
 Nós temos dois programas de proteção às pessoas. Um é o Provita, que protege vítimas e testemunhas de crimes, e um outro, que protege defensores dos direitos humanos. São programas diferentes, com coordenações diferentes, pessoas diferentes, orçamentos diferentes. O que protege defensores exige que a pessoa, para entrar, seja defensor dos direitos humanos e esteja ameaçada. São dois critérios. Esses critérios são avaliados pelas coordenações nos Estados. Lá no Pará tem um programa estadual, que tem convênio com a União. A União repasse dinheiro para a Defensoria Pública do Estado, que é o gestor estadual do programa. Eles têm lá uma equipe técnica. Em qualquer caso que a pessoa entenda que esteja ameaçada, ela vai até a Defensoria, faz sua denúncia e passa por uma triagem, uma avaliação. Se estiver dentro dos dois critérios, entra no programa. Depois tem uma análise sobre o nível da periculosidade. Sendo muito grave, com iminência de morte próxima, como eu até diria que seria o caso do Junior, e se essa pessoa for defensora dos direitos humanos, ela entra no programa e ganha, no limite, escolta da polícia do Estado ou da Força Nacional de Segurança.
ÉPOCA – O programa de proteção é federal, mas a avaliação para ingresso das pessoas no programa é feita pela autoridade estadual? É isso?
Ramaís –
 Neste caso (do Junior) a avaliação foi a Defensoria do Pará, pois é ela que tem o convênio conosco. Quando o convênio da Secretaria dos Direitos Humanos é com o Estado, a análise é do Estado. No caso da Defensoria, ela é do Estado. É vinculada ao Poder Executivo (do Pará), mas tem autonomia.
ÉPOCA – De qualquer forma, o Junior está sem a proteção. Por que?
Ramaís –
 A Defensoria, pela triagem, constatou que ele estava ameaçado, mas que ele não era defensor dos direitos humanos.
ÉPOCA  – O que define se a pessoa é defensora dos direitos humanos? Qual é o critério?
Ramaís –
 No fundo, não há uma fórmula matemática. O decreto que regulamenta o programa tem uma série de critérios, uns dez critérios que poderiam caracterizar um defensor de direitos humanos. Se você perguntar para mim se ele (Junior) é ou não é, eu até acho que ele tem chance de ser. Mas ele precisaria recorrer. Se ele achou que não foi bem feita a triagem dele, ele precisaria fazer um recurso. Aí sim o caso sobre para Brasília. Mas ele não fez nenhum recurso no programa de defensores.
ÉPOCA  – Se ele recorrer do pedido que foi indeferido, em quanto tempo isso pode ser resolvido?
Ramaís –
 Pela natureza do caso dele, pode ser feita a inclusão ad referendum (aprovação pendente de confirmação), pois isso não é o tipo de decisão de um servidor, individual. É uma decisão que precisa ser tomada por um colegiado e você não tem como reunir o colegiado do dia para a noite, ele é composto por gente do Brasil inteiro. Mas há a possibilidade jurídica de fazer a inclusão dele ad referendum e depois levar o caso ao Conselho, na próxima reunião. Incluir ad referendum significa dar a ele o status de protegido no programa. Não posso afirmar isso categoricamente, pois não estou com o processo dele aqui, mas se for um caso retumbante, o caminho é esse aí.
ÉPOCA – Queria voltar à questão do critério para definir quem é considerado defensor de direitos humanos. Dê um exemplo concreto.
Ramaís –
 Está no decreto 6044 de 2007. O artigo segundo fala o seguinte: “Para os efeitos desta Política, define-se ‘defensores dos direitos humanos’ como todos os indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhecidos.”
ÉPOCA – Parece um conceito bastante subjetivo, não? Todo mundo está dentro. Todo mundo diz que promove os direitos humanos, a liberdade... Quem é contra?
Ramaís –
 É... Se de fato a luta dele lá (no Pará) é pelo meio ambiente, ele está defendendo aquilo que a gente chama de um direito humano de terceira geração, ou direitos difusos. Mas de fato é um conceito amplo. É propositalmente amplo para permitir que se encaixe mais pessoas nesse programa.
ÉPOCA – Mas aí a Defensoria Pública do Pará não encaixou justamente este caso do Junior, que tem ameaça real? Não é incrível?
Ramaís –
 Seria uma ilação, eu não afirmaria isso, mas ali o programa do Estado pode ter colhido no depoimento dele, nos documentos, um conjunto probatório insuficiente. “Olha, você fez uma denúncia, mas o que garante que no seu dia-a-dia você seja uma liderança local, alguém que mobiliza a sociedade contra a extração ilegal de madeira e faça com que isso se torne uma defesa dos direitos humanos efetiva em sua comunidade?” Nem sei se é esse o caso... “Ah, mas eu fiz uma denúncia.” Ok, mas aí é a situação de denúncia de testemunha de um crime. E denúncia de testemunha de crime é pelo Provita.
ÉPOCA – E como é que fica?
Ramaís –
 Ele foi avaliado também no Provita. No Provita ele foi considerado as duas coisas. Foi considerado testemunha de crime -no caso, crime de extração de madeira-, e foi considerado ameaçado. O Provita, pela primeira triagem, sugeriu a inclusão dele no programa. Mas esse ele não quer. Qual é a diferença? O programa de defensores permite à pessoa permanecer no local, permite que a pessoa possa manter sua luta acesa.
ÉPOCA – Então o senhor entende que o pleito dele por proteção é legítimo?
Ramaís –
 Sim, é legítimo. Tanto é que a gente fez todo esforço no Provita para que ele fosse incluído. A diferença é que o Provita tira a pessoa do Estado, tira a identidade às vezes. Mas, no mínimo, tira a pessoa do local. E foi isso que ele não quis. Ele assinou um documento dizendo que não queria ficar no programa.
ÉPOCA – Agora quais são as alternativas do Junior?
Ramaís –
 Ele tem essas duas alternativas (recorrer no programa dos defensores ou aderir ao Provita). A notícia que a gente tem é que ele está em outro Estado agora porque ele entendeu que, para garantir a própria proteção pessoal, ele tinha que sair de lá.
ÉPOCA – Mas ele está por conta própria.
Ramaís –
 Por conta própria. A pergunta é: se ele já está em outro Estado -e ele já está, portanto, aceitando a hipótese de estar em outro Estado-, por que não ingressar no Provita e ficar por conta do programa? O governo entendia que era o caso de dar essa proteção para ele. Só que ele afirma que não quer. Ele voltou a afirmar isso. Ele foi consultado há duas semanas e ele reafirmou que queria voltar ao local.
ÉPOCA – Mas se ele aderir, é aí que ele não vai poder voltar mesmo para sua região. Isso não acaba sendo uma punição para quem denuncia? Ele tem de sair do local onde mora, vai perder os contatos...
Ramaís –
 Se eu disser que não, vou estar mentindo. É claro que é uma punição.
ÉPOCA – A servidora do governo que teve o último contato com ele falou sobre essa possibilidade de recorrer no programa de defensores dos direitos humanos? Será que ele sabe dessa possibilidade?
Ramaís –
 Essa funcionária que falou com ele é coordenadora do Provita. Então com certeza ela não falou com ele sobre o programa de defensores.
ÉPOCA – Ele está escondido e pode não estar sabendo que pode recorrer.
Ramaís –
 Isso eu não sei responder. Mas a pessoa não chega (nesses programas) sem ninguém. Ele chegou por meio de uma entidade da sociedade civil. Nesse caso, se não estou enganado, foi por meio do ISA (Instituto Socioambiental). E o ISA sabe muito bem que ele pode fazer isso.
ÉPOCA – Não seria o caso de flexibilizar o Provita? Achar um jeito de dar proteção a testemunha de crime sem que obrigue o sujeito a sair do local?
Ramaís –
 Quando você tem uma pessoa ameaçada e é uma ameaça difusa, você só pode manter a pessoa com suas atividades normais se fizer uma segurança ostensiva. Senão você não está oferecendo segurança alguma. Há hoje no Provita cerca de 700 pessoas inscritas em todo o país. Para essas pessoas entrarem numa modalidade mais flexível, você teria que ter essa proteção ostensiva para 700. Todos precisariam de escolta. E escolta, hoje, pelos rigores da Força Nacional, você não faz com menos de nove agentes. A Polícia Federal fala em doze. Tem até essa divergência técnica. Então o que aconteceria, em âmbito nacional, se a gente fosse dar esse tipo de proteção para as 700 pessoas que hoje estão no Provita? Precisaria de uns cinco ou seis batalhões inteiros só para isso. Seria um custo de milhões de reais para o Estado brasileiro, que teria que deixar de fazer segurança pública para conseguir atender os casos individuais. Em casos como esse, em que a ameaça vem de uma quadrilha, não adianta: enquanto não prender a quadrilha e enquanto não resolver o problema da extração da madeira, a gente vai ficar enxugando gelo. Claro que o objetivo do Estado é não deixar a pessoa morrer. Mas num balanço geral de política pública, entre isso (gastar milhões com escoltas) e fazer um investimento na segurança de forma mais ampla e garantir a vida da pessoa com um custo muito menor, nós ficamos com essa (segunda) hipótese. Entre ele (Junior) ter a penalidade de sair de lá ou morrer, é óbvio que ele vai sair de lá. É um raciocínio duro de fazer, mas se o poder público não tiver condições de fazer esse raciocínio, aí não vai dar.
ÉPOCA - Quantas pessoas exatamente estão inscritas no Provita e quantas estão no defensores, com escolta?
Ramaís –
 No defensores são 299, sendo 49 no Pará. Não são todas que estão com escolta. Com escolta estão os casos mais graves. No Provita são 689 no país, 36 deles no Pará.
ÉPOCA - As denúncias do Chupel e do Junior foram feitas no Ministério Público Federal, no Ministério Público Estadual, na Polícia Civil, no Instituto Chico Mendes e na Polícia Federal. Esses órgãos, quando recebem uma denúncia desse tipo, não seriam co-responsáveis pela segurança do denunciante?
Ramaís –
 É uma pergunta difícil, pois eu teria que criticar outros órgãos. Mas a única que eu sei que aconteceu, e sei oficialmente, foi a denúncia feita no Ministério Público Federal. Dois dias depois dessa denúncia, o denunciante (Chupel) veio a óbito. Neste caso, eu não tenho a menor sombra de dúvida de que o procedimento correto era não ter deixado ele sair na porta do depoimento sem a proteção. Ali, de fato, parece que houve um equívoco.
ÉPOCA – Mas parece que havia representante até da Secretaria-Geral da Presidência acompanhando o depoimento.
Ramaís –
 Eu não tenho essa informação. Agora, a instituição que estava ali colhendo o depoimento era esta (o MPF). É um órgão que conhece o programa (Provita), conhece as condições e, nesse caso, deveria ter tido esse cuidado. Mas a gente sabe... Uma coisa é o Ministério Público, outra são os agentes, seus membros. Nem todos estão devidamente instruídos de como funciona o programa de proteção. Isso é uma coisa que a gente tem de estar sempre lutando para melhorar.
ÉPOCA - Há relatos do assassinato de até 16 pessoas na região. Há efetivamente investigações em andamento a respeito dessas mortes? O governo federal acompanha?
Ramaís –
 Tem acompanhamento. Inclusive por toda repercussão que ganhou... Nesses casos recentes, do ano passado, quase todos os inquéritos foram concluídos e, hoje, os processos estão com o indiciamento dos culpados. Aquele caso do Zé Cláudio e Maria, por exemplo. O levantamento sobre isso é acompanhado na sua periodicidade pela Secretaria-Geral da Presidência. E sempre que sai alguma notícia, a gente faz o acompanhamento por aqui também. No geral, o balanço nacional que temos em casos de mortes violentas de pessoas que faziam a luta pela terra, pelo meio ambiente, é de impunidade terrível, impunidade absoluta. E aí é culpa de polícias estaduais, é culpa do próprio Judiciário, dos Ministérios Públicos estaduais... É um negócio generalizado. É muito difícil pegar. É impressionante.
ÉPOCA - E quanto ao mérito da denúncia do roubo de Ipê no Oeste do Pará? O que está sendo feito para impedir?
Ramaís –
 A PF fez, entre 2009 e 2010, uma grande operação que ia desde o norte do Mato Grosso até o Norte do Pará. Era a operação Círculo de Fogo: uma linha para que não passasse madeira. Essa operação foi muito forte, tinha orçamento próprio, e teve resultados. Ela foi retomada na metade do ano passado, quando tivemos aqueles casos de morte de ativistas no norte do Pará e em Rondônia. Agora chama Defesa da Vida. São operações de fechamento de rodovias, fiscalização. E também para buscar os focos de extração. As pessoas que são classificadas como defensores auxiliam no trabalho da polícia.
Ricardo Mendonça, autor desta reportagem, no Twitter: @RMendonca09  

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