O MAIOR PADEIRO DO MUNDO
Por Guilherme QUEIROZ
Quando o mexicano Daniel Servitje, herdeiro do grupo Bimbo,
concluiu o MBA na Universidade Stanford, nos EUA, em 1987, seu primeiro
trabalho parecia estar um tanto aquém do que estudara na conceituada
instituição californiana. Durante cinco meses, dirigiu um caminhão
entregando os pães da empresa de sua família a clientes em Los Angeles.
Na época, a companhia já havia se firmado como a maior fabricante do
setor de panificação do México e engatinhava no mercado americano. A
situação satisfazia os acionistas, mas inquietava Servitje, que hoje é
dono de uma fortuna estimada em US$ 3,5 bilhões e é o sexto homem mais
rico do México. A economia mundial dava os passos iniciais rumo à
globalização e o negócio familiar parecia alheio à tendência.
Daniel Servitje, CEO da Bimbo: "Temos crescido no Brasil na casa dos dois dígitos por ano"
Daniel Servitje, CEO da Bimbo: "Temos crescido no Brasil na casa dos dois dígitos por ano"
“Como havia empresas maiores no mundo, tínhamos três opções:
vender, diversificar ou internacionalizar”, afirmou Servitje, em
entrevista exclusiva à DINHEIRO, na quarta-feira 15, após inaugurar em
Brasília a 156ª fábrica da empresa do mundo e a oitava no Brasil. “Só
não imaginava, na época, que hoje seríamos o maior fabricante de pães do
mundo.” A chegada ao topo coroa a gestão de Servitje, que
triplicou as vendas do grupo, desde que assumiu o posto de CEO em 1997,
batendo na casa dos US$ 12,6 bilhões. Esse resultado pôde ser
alcançado graças à consolidação de uma agressiva estratégia de
aquisições. Entre setembro e outubro do ano passado, o grupo concluiu a
compra da Fargo, a maior panificadora da Argentina.
Numa tacada de puro oportunismo, arrematou as operações de
panificação da americana Sara Lee, na Espanha e em Portugal, marcando
sua entrada no mercado europeu. “Compraram a um excelente preço numa
região estratégica em que ainda não atuavam”, disse à DINHEIRO Alan
Alanis, analista de alimentos e bebidas do banco JPMorgan. Mas o
principal reforço ao portfólio de marcas foi a compra da área de
panificação da Sara Lee, nos Estados Unidos, por US$ 960 milhões. Da
noite para o dia, a Bimbo abocanhou um terço do maior mercado consumidor
do planeta. A operação incrementou em 26% as vendas globais do grupo e
criou um gigante com 2 milhões de pontos de venda e 50 mil rotas de
distribuição de mercadorias. Aos 52 anos de idade, Servitje é o caçula
dos oito filhos de Lorenzo Servitje Sendra e o único a seguir carreira
na companhia fundada por seu pai e três sócios em 1945.
Começou a trabalhar na empresa aos 17 anos e, durante as férias,
estagiava em diversos setores, do chão de fábrica às áreas
administrativas. Antes mesmo de assumir a direção da Bimbo, havia
estabelecido duas metas fundamentais no processo de expansão do grupo. A
primeira era entrar nos Estados Unidos. A segunda, no Brasil. “Era
evidente que, se quiséssemos ser líderes mundiais, teríamos de fazer
essas duas jogadas importantes”, afirma. Ele esteve no Brasil pela
primeira vez em 1994. Mas só em 2001, a Bimbo comprou as marcas Pullman e
Plus Vita, da Bunge, por US$ 63 milhões e fincou os pés no Brasil. Com a
aquisição da gaúcha Nutrella e da paulista Laura, em 2008, a empresa
mexicana se estruturou em seis Estados e conquistou uma fatia de 31% do
mercado de panificação.
“Temos crescido no Brasil na casa dos dois dígitos por ano”, diz
Servitje. Esse ritmo de crescimento é a base de sustentação do ambicioso
plano de expansão da marca no Brasil. A inauguração da fábrica de
Brasília – um investimento de US$ 29 milhões, que abastecerá os mercados
do Centro-Oeste, Pará, Tocantins e Minas Gerais –, feita com pompa,
foi a parte vistosa da estratégia. Um discreto, porém significativo
gesto, se deu em seguida ao evento. Servitje trouxe com ele todo o
conselho de administração do grupo para as tradicionais reuniões
trimestrais. Pela primeira vez, o encontro aconteceu no País. “Queremos
demonstrar a importância do Brasil no contexto de nossos investimentos”,
afirma Servitje. Além da possível ampliação da capacidade de produção
de Brasília, a Bimbo estuda a construção de duas novas unidades no
País.
Nova fábrica: Servitje esteve no Brasil para inaugurar a oitava fábrica
da Bimbo no País, em Brasília (acima).
“A mensagem é: o Brasil é muito importante para o futuro”, diz
Alanis, do JPMorgan. Tais gestos são comuns na trajetória de Servitje à
frente do grupo Bimbo. Ao se tornar CEO da empresa, ele iniciou uma
rodada de pequenas aquisições em países da América Latina. Mais que
comprar participações de mercado e agregar sinergias à companhia, elas
serviam para convencer os acionistas da necessidade de se dar passos
mais ousados. As resistências vinham de dentro de casa. Seu próprio
pai, Don Lorenzo, hoje com 90 anos, considerava a globalização da Bimbo
uma aventura. Hoje, seguramente, pensa o contrário. As cerca de 40 aquisições no currículo de Servitje não querem dizer, porém, que ele nunca tenha errado a mão. Em 1998, comprou as americanas Mr. Baird’s e Four-S Baking Company.
Estratégias equivocadas culminaram em perdas de US$ 67 milhões, em
2003 e 2004. A primeira incursão pelos Estados Unidos, em 1994, também
não foi bem-sucedida e a panificadora La Hacienda California foi à
falência em pouco tempo. “Descobrimos que cada decisão de compra é
única, que não pode ser replicada para outra operação”, diz Sevitje. A
despeito de seu espírito desbravador e de sua disposição para assumir
riscos, como o de apostar no incerto processo de internacionalização,
que transformaram a Bimbo num gigante com atuação em 19 países, Servitje
é percebido como um administrador conservador. “A Bimbo é uma empresa
com baixo endividamento, apesar das aquisições”, afirma Rogelio
Gonzalez, analista da Fitch Ratings.
A cartilha do CEO prega que a empresa esteja sempre com baixa
exposição a solavancos do mercado financeiro. Com endividamento baixo e
um balanço sólido, a empresa conseguiu dar tacadas ousadas, como a
compra da Panrico, em 2006, com a qual passou a atuar na China.
“Triplicamos nossas vendas, mas ainda não é um mercado rentável”, diz
Servitje. O caixa forrado permitiu ao grupo aproveitar as
oportunidades criadas pela crise de 2008 para turbinar seu maior ciclo
de crescimento. É desse período, a incorporação das operações da
canadense Weston Foods nos Estados Unidos, por US$ 2,3 bilhões, até hoje
a mais importante aquisição da Bimbo. “Nós que vivemos na América
Latina, atravessamos tempos de crise e de bonança”, afirma.
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