A EXPLORAÇÃO DA NUDEZ DAS MULHERES NO COMÉRCIO
O tempora!
Sírio Possenti
De Campinas (SP)
De Campinas (SP)
O título cobre as duas notas que compõem esta coluna. A primeira é, na verdade, um conjunto de perguntas, mais ou menos sem respostas, ou com respostas parciais e indiretas. A segunda é para pegar no pé de um jornalista que se arrisca demais...
Errado e certo
Estava viajando (a trabalho, como sempre) e, embora os locais fossem perfeitamente bem servidos de tecnologia, não consegui manter em dia a verificação dos e-mails. E não li jornais. Nem vi TV. Em casa, logo vi mensagens chamando a atenção para uma propaganda que deu o que falar (ia dizer "que deu pano pra manga", mas acho que não daria!). A conhecida Gisele Bündchen, depois de estrelar campanha (nada feminista) da Sky (a TV dos maridos bobos...) agora comparece com duas roupas e duas entonações diferentes (um jeito errado e um jeito certo de confessar um erro ao seu amor) em cada propaganda. O objetivo é vender lingerie. A da lingerie é um dos recursos, além da voz e de requebros, que a tornam sensual.
Li coisas interessantes (e outras menos) vindas de todos os posicionamentos possíveis sobre a campanha. De um lado, protestos e tratativas para tirar a propaganda do ar (por parte de um ministério), porque as propagandas apresentariam e defenderiam um estereótipo indesejado da mulher: ela comete erros "típicos de mulher" (bate o carro, gasta muito, a mãe dela vai morar com o casal) e depois tenta conseguir o perdão do marido com apelos sensuais. De outro lado estão os que pensam que isso seria censura, que se faz uma defesa exagerada do politicamente correto. Há também acusações de falta de senso de humor, de incompreensão do que seja a publicidade. Ou, indo mais longe, lembram-se outras propagandas em que os mesmos estereótipos são explorados, sem que ninguém tenha reclamado. Um exemplo entre centenas: seu carro quebra na estrada; você toma um certo refrigerante e logo é socorrido por uma mecânica sensual.
O imbróglio fornece dados bons para um longo artigo, que teria que fazer diversas perguntas e tentaria dar algumas respostas, pelo menos respostas condicionais. Por exemplo:
a) faz que diferença considerar que se trata de Gisele (ela tem grana, poderia recusar trabalhos como este, disse alguém) ou de uma personagem que ela representa?
b) personagens precisam corresponder à realidade (a algum tipo de realidade) ou serem militantes de causas progressistas?
c) se for apenas propaganda, sem nenhuma conotação "política", deveria haver limites?
d) exemplificando: aquela propaganda de AXE que promete muitas mulheres a rapazes que passam o desodorante pode ir ao ar impunemente? Ela não veicula imagem negativa tanto dos rapazes (eles são sujos) quanto das moças (elas "vão" com a qualquer carinha, desde que cheire bem)?
e) e se as peças forem sátiras, como disse um representante da agência que criou a propaganda? Não teríamos entendido o texto, que lemos literalmente demais?
f) se uma propaganda mostrar homens idiotas, facilmente enganados por qualquer apelo sensual da mulher (a carta de uma leitora dizia isso), é censurável?
g) que tipo de mundo a publicidade encena? parece o mundo real? quer criar um?
Altri tempi?
Alexandre Garcia, em um dos canais em que atua como conselheiro geral, discutia problemas de saneamento no Brasil (ainda há fossas em Brasília, ele disse, escandalizado). Contou que em Roma - na Roma antiga! - já havia esgotos. Mencionou a famosa Cloaca Maxima (ver Wikipedia), como se haver esgotos na Roma de então significasse haver saneamento para todos os romanos, quiçá em todo o império.
Não vou esquentar esse debate. Só quero anotar o final de sua intervenção: ele atribuiu aos romanos (e não estava falando dos de hoje!) a expressão "altri tempi". Mas eles falavam italiano?
Um romano daqueles tempos, se ouvisse Alexandre Garcia e se pensasse que teria havido um tempo em que "intelectuais" deviam saber coisas básicas, mesmo que bem imprecisas, do tipo "italiano não é latim", "romanos falavam latim", talvez exclamasse "O tempora"! E não "altri tempi"!
PS - Tenho lido que Danilo Gentili e Rafinha Bastos reclamam da existência de uma patrulha que tentaria censurar seu humor. Pessoalmente, aceito que o humor pode ultrapassar certos limites (é um tipo particular de ficção). Não sei se deve haver algum tipo de controle. Se houver, prefiro que não venha do estado. Mas eu faço o meu: não vejo o CQC, há um bom tempo. E jamais "seguirei" qualquer num dos dois.
Humor pode ser grosseiro? Acho que pode. Mas tem que ser humor. Os textos deles que provocaram debate não são humor grosseiro. São só grosseiros.
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