É o pior de todos os sistemas...

É o pior de todos os sistemas...

...com exceção de todos os demais. Nunca a definição de Churchill para a democracia pareceu tão perfeita quanto no mais recente embate entre Executivo e Legislativo nos Estados Unidos

RODRIGO TURRER
27/10/2013 13h00 - Atualizado em 27/10/2013 13h10
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Os Estados Unidos adoram a beira do abismo. Costumam visitá-la quase todo ano, enquanto o mundo respira fundo, torcendo para que a maior potência do planeta não caia. No último episódio, por três semanas, um provinciano cabo de guerra entre democratas e republicanos travou as negociações sobre o aumento do teto da dívida americana, hoje em US$ 16,7 trilhões. Por um triz o impasse não obrigou o governo a declarar uma inédita moratória, que causaria um terremoto na economia mundial. Os americanos saíram desse beco no dia 16, graças a um acordo tampão. A Câmara dos Representantes, controlada pela oposição republicana, aceitou elevar o teto da dívida, mas com um prazo de validade. O governo terá dinheiro para arcar com o pagamento de seus compromissos apenas até 7 de fevereiro de 2014. O acordo saiu, mas a crise causou estragos. A agência Standard & Poor’s estimou que o impasse no Congresso tenha custado pelo menos 0,6 ponto percentual no resultado do PIB americano no quarto trimestre – uma perda de US$ 24 bilhões. Fora os 16 dias de paralisação de serviços públicos federais, por falta de verba – péssima notícia para uma economia que ensaiava uma recuperação. E tudo isso já aconteceu antes. Em 2011, um mês de desavenças acerca do mesmo tema convulsionou a economia global e quase culminou em calote americano.

Os Estados Unidos se tornaram reféns de sua própria democracia. Por mais que as democracias sejam por princípio sempre melhores que ditaduras, elas também têm limites. Numa ditadura, fica fácil definir metas e resultados. Uma canetada do tirano de plantão resolve a questão. Numa democracia, o desafio é negociar e chegar a acordos consensuais. No caso dos Estados Unidos, mais ainda. A Constituição americana, a mais antiga em uso no mundo, inspira-se nas teorias do filósofo francês Charles-Louis de Secondat (1689-1755), conhecido como Montesquieu. Quando formulou a teoria dos Três Poderes, buscava um sistema que assegurasse a cada Poder a responsabilidade de fiscalizar o outro, evitando regimes tirânicos e absolutistas – um mecanismo que ficou conhecido como “freios e contrapesos”.

Os fundadores dos Estados Unidos realizaram uma tarefa monumental ao construir as bases da mais sólida democracia do mundo – justamente as bases que causam o atual nó. Em países heterogêneos e variados como os EUA, grupos com visões de mundo opostas, por vezes inconciliáveis, tendem a se digladiar no Legislativo, poder que reproduz a diversidade da população. A Câmara americana não é um retrato perfeito da sociedade. Faltam mais legisladores hispânicos (são 33) e descendentes de nativos (são apenas dois). A média de idade, renda e escolaridade dos legisladores americanos é maior que a da população. De maneira geral, porém, os eleitos representam a opinião da maioria dos eleitores.
 
FIM DO EMBATE O líder democrata no Senado, Harry Reid (no centro), anuncia o acordo. A divisão quase levou ao calote dos EUA (Foto: Jonathan Ernst/Reuters)
Há uma profunda divisão entre Estados conservadores, chamados de vermelhos, e Estados liberais, chamados de azuis. Nos vermelhos, como Texas, Arizona, Geórgia, Tennessee e Alabama, os republicanos têm larga vantagem. Nos azuis, caso de Califórnia, Illinois, Nova York e Nova Jersey, há mais democratas. No meio, cerca de dez Estados têm um equilíbrio entre conservadores e liberais. Nas eleições, são chamados de Estados-pêndulo. Neles a votação pode pender para um lado ou para o outro e, assim, definir o resultado.

Os Estados conservadores são maioria, mas têm população menor. Os liberais, em minoria, têm mais gente. Essa situação ajudou o presidente Barack Obama a se reeleger, em 2012. Mas não foi favorável para candidatos democratas à Câmara dos deputados. A mais recente mudança nos distritos eleitorais, que ocorre a cada dez anos, favoreceu os republicanos. Eles ganharam novos currais eleitorais. Essa fratura da sociedade se reflete no Congresso. As discordâncias começam dentro do Partido Republicano. Os 51 deputados ligados ao Tea Party, movimento popular de direita que ganhou força na esteira da crise econômica iniciada em 2008, exigem cortes drásticos nos gastos do governo. Lembram que a dívida pública americana subiu de 53% do PIB, em 2001, para 106%, em 2013. Essa ala radical tentou impedir um acordo com o governo Obama. Propagandeou que elevar o teto da dívida significava autorizar mais empréstimos do governo para futuras despesas. Na verdade, o aumento é necessário para o Tesouro americano tomar empréstimos e pagar as contas já aprovadas pelo próprio Congresso – inclusive por republicanos. O grupo lutou até o final – e terminou derrotado. O acordou saiu, na Câmara, por 285 votos a 144. Todos os “não” vieram de republicanos.

A culpa da crise não é apenas dos radicais republicanos. Desde seu primeiro mandato, Obama se mostrou melhor em campanha do que na cadeira de presidente. Sua inabilidade de negociar com o Congresso para conseguir uma “maioria governante” e obter acordos bipartidários para questões urgentes e estruturais tem tragado seu segundo mandato. Nos últimos meses, Obama se enfraqueceu com decisões desastradas, como as idas e vindas na proposta de intervenção na Síria. “Obama poderia se inspirar em Ronald Reagan ou Bill Clinton, que conseguiram negociar com oposições belicosas e aguerridas”, afirma Kenneth Rogoff, professor de economia e políticas públicas na Universidade Harvard e ex-economista-chefe do FMI. “Se essa batalha ficar sem solução, poderá enfraquecer demais a capacidade do governo de tomar decisões econômicas cruciais em um futuro próximo.”

O mero adiamento da elevação do teto da dívida mantém engatilhada a arma de destruição em massa financeira: se, até 7 de fevereiro, o Congresso não autorizar o aumento do teto, a Casa Branca ficará com apenas US$ 30 bilhões em caixa – e será obrigada a dar um calote federal. Isso causaria um pandemônio nas finanças globais. Perto de 46% da dívida americana está em títulos que pertencem a países como China, Japão, Brasil e Reino Unido. Os mercados globais não sentiram os efeitos do embate atual, mas os credores da dívida americana se manifestaram. Em editorial, a agência Xinhua, o braço “noticioso” do regime comunista chinês, pediu uma economia global “desamericanizada”, para que “a comunidade internacional possa se proteger dos efeitos do turbilhão da política doméstica dos EUA”. “A dificuldade em chegar a um acordo sobre a elevação do teto da dívida americana pode afetar a credibilidade americana”, afirmou o megainvestidor Warren Buffett.

A peleja entre republicanos e democratas é reflexo de um país que permite, ao extremo, a expressão de grupos com os interesses mais diversos. Ao mesmo tempo, frustra os que esperam eficiência de seus representantes. Uma pesquisa do Instituto Gallup, feita entre 3 e 6 de outubro, revelou que 60% dos americanos gostariam de demitir todo o Congresso. Os republicanos saíram da crise com a imagem mais abalada, mas os democratas também perderam crédito. Nessas horas, é sempre útil lembrar a batida, porém brilhante, definição do britânico Winston Churchill: “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas”. A democracia cria nós difíceis de desatar, mas apenas ela é capaz de falar em nome de uma sociedade, por mais fragmentada que esta seja.

Congresso e sociedade divididos (Foto: ÉPOCA)

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